O velho passou deixou na alma as marcas do momento que não volta mais. A dádiva já não existe. Sofro, mas não me sinto poetisa; escrevo palavras a mais dos acontecimentos banais de uma vida que ficou e que o velho teimou em levar. A incógnita que virá, se eu não for pó nos instantes seguintes, não passará disso mesmo.
Vem, C., vamos ouvir o mar, Vamos comparar a sua grandeza ao nosso enleio. Envolve-nos este de tal forma que nem a distância nem o tempo é capaz de o afundar.
Bebe deste copo comigo. Respira do meu ar, deixa-te ir na loucura do sentir, do querer. O desejo. O amor (?)
Ama-me como no primeiro dia. Despe de ti a pele do desassossego, dá-me a tua mão.
"Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação".
Carlos Drummond de Andrade
*Há dias em que o mundo nos pesa mais. Talvez por pesar menos.